- O meu pai é engenheiro.
Estava na fila do banco. Há dias impossíveis e parece que tudo é um atraso, isso ou as pessoas decidiram todas ter uma agenda muito igual à minha naquela manhã.
Tive de aguardar a minha vez e enquanto isso encostei-me na zona dos envidraçados a ver a rua. Estava uma manhã quase a lembrar o inverno.
Ao fundo nos bancos estava uma senhora com a filhota, talvez uns 4/5 anos, a conversar com (supus) uma vizinha. A certa altura, a notar que a criança estava meio deslocada, a vizinha questiona a menina,
- Então e o pai?
- O pai saiu tãaaaaao cedo que nem o vi hoje.
- Então e onde é que ele anda a trabalhar, sabes?
- Sei, o meu pai é engenheiro
- Parece-me difícil
- Mas olha, não é um engenheiro qualquer não
- ai não?
- Não, o meu pai é engenheiro mas um engenheiro civil
- (risos entre as senhoras)
a conversa continuou, sobre a escolinha dela, sobre as tarefas que anda a fazer sobre o outono, sobre como o prato favorito da menina é esparguete com almôndegas (???) … ... ...
As crianças extravasam o que o ouvem e daí começam a formar personalidades. Esta criança não faz ideia do que significa, ainda, o pai ser engenheiro, muito menos civil. Compreenderá de certo que é responsável pela edificação, que trabalha com maquinaria, e com obras que pode fisicamente mostrar e dizer "fui eu que fiz".
Enquanto olhava a rua e me fixei nas palavras dela, entendi, que tal como aquela criança existem milhares de e não só crianças que não sabem o que está por trás de um técnico dessa área.
Mas tive de sorrir, e não sei se o fiz para fora se para dentro, porque percebi que ela sabia que era algo de extraordinário, porque no fundo ele não era "um engenheiro qualquer não", ele era um engenheiro civil, e nas palavras da menina estava oculto a admiração por aquilo que o pai fazia. Repito, não perceberá a profissão e com certeza o texto dela poderia ser fabricado por conversas que houve entre adultos. Mas o bom profissional nasce desta forma, a ouvir falar, a ver crescer, a ver evoluir, a ouvir a mudança, a ouvir as incongruências, o que corre mal e o que há para fazer.
Fiquei à espera ainda um bom bocado da minha vez e lembrei-me perfeitamente do porquê de ter decidido escolher a profissão que escolhi, não se é só porque sim, é-se porque se vê o extraordinário.
Na minha classe de secundário, todos seguimos áreas diferentes, administração, veterinária, ambiente, civil, informática, bioquímica e gestão. Nem todos trabalhamos nas áreas de estudo, porque nem todos tínhamos no olhar o brilho daquela criança, é que quando se acredita no que se diz, a palavra é atitude.
Por mais crianças que nasçam e cresçam a ouvir falar sobre trabalho, empenho, dedicação e mudança, para que lá na frente, volvidos os anos da juventude se façam bons profissionais, qua acima da escolha esteja a admiração, porque só assim se pode levantar todos os dias, independentemente da hora, a acreditar que se vai fazer alguma coisa de verdade.