quinta-feira, 18 de abril de 2024

Das fragilidades, o que dói

Ontem à noite fiquei por mais de uma hora a brincar com o meu bebé até ele ir dormir. Desarrumamos e arrumamos o quarto todo umas três vezes, cheguei a dada altura sem conseguir ver bem o chão, com tanta peça e brinquedo esparralhado. Dei por mim em certo momento a chorar. Quando me fui deitar agradeci a Deus. Tudo, foi muitas vezes injusto comigo e com o meu caminho, mas agradeci, tudo. O meu filho é a melhor pessoa que tenho, ele preenche tudo quanto mais ninguém consegue dar.

Tenho histórias em mim que talvez nunca vá conseguir apagar, quase certa disso, e não consigo perceber porque por vezes temos de passar o que passamos.

O inferno é mesmo aqui não é? Não é lá em cima, nem lá em baixo, pois não?

Nunca me faltou nada em casa. Graças a Deus. Cresci saudável, fora questões de pele que desenvolvi já depois da adolescência. 

Brinquei muito sozinha, sempre sozinha, e era elogiada por isso, até que mais tarde entendi que tinha um trauma com isso. Estar sozinha.

Cresci numa família grande. Tive a sorte que tive, mas também tive dias de tomar banho de água fria por semanas porque o gás tinha acabado e bebia um copo de água antes das aulas por não ter comer e não ser altura de pedir mais aos meus pais. Isto enquanto fazia o ensino superior. Sim, eu sou da geração dos 30, mas engane-se quem acha que a dificuldade era só nos grandes e afastados antigamente's.

Sempre fui uma pessoa que pensou e se preocupou com os outros de um modo que talvez seja antiquado já, porque não vejo mais ninguém ser assim, aos dias de hoje. E isso sempre me permitiu a mim mesma, sofrer sozinha. O brincar sozinha, o não comer a ou b, o não pedir dinheiro, o passar mal, o ter presenciado e passado determinadas coisas... Às vezes penso que Deus me esqueceu ali, por algum momento do meu caminho. E me deixou sofrer mais do que aquilo que eu merecia.

Mas é quando olho para o meu filho que eu vejo que Ele existe. 

Acho que foi por isso que eu chorei ontem. E depois agradeci.

Tenho tantas falhas. Mas sei, eu sei que só preciso de uma abraço bem dado. E sabem quantos o meu filho me deu ontem enquanto brincávamos? 5. 


Foram os seus, cinco, primeiros abraços.


10 comentários:

  1. Que texto tão emotivo.

    Consigo entender, pois apesar de não ter passado pelo mesmo, passei por outras coisas que igualmente me deixaram marcada.

    E também sempre brinquei sozinha. Da escola à rua, ninguém era meu amigo. Sim, acho que também deixou aqui trauma mas olha, talvez me tenha feito também mais forte.

    E tu és forte sim e há lá algo em cima a olhar por todos nós. Mas acredito no mesmo que tu. O inferno é aqui. Está aqui e lidamos com ele diariamente.

    Bons 5 abraços =D

    Beijocas

    Cláudia - eutambemtenhoumblog

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    1. Todos temos esses percalços pelo caminho, sejam eles quais forem, e vão viver na nossa mente pelo tempo que permitirmos. Muita coisa eu não consigo apagar, muita da que não está aqui escrita, e olha que bem gostava

      ahahha, vês, se calhar é por isso que nos identificamos, crescemos a ver as coisas sós. :)

      Beijinho Cláudia, obrigada pelas palavras

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  2. Já sentia admiração por ti, mas depois ter comentado o post anterior, li este e admirei muito mais.... são lindos os teus sentimentos e acredita que pessoas assim há cada vez menos.
    Apesar de pobres e das dificuldades que tivemos/temos quero eu também continuar a agradecer, porque se olharmos bem, há quem ainda esteja pior que nós. É bom termos casa, família, comida, roupa, sem dívidas, etc. Podemos não ter dinheiro para luxos, mas o que temos já é suficiente.
    Deus tem-nos dado o essencial, o que nos fez sofrer tornou-nos mais fortes. Talvez se tivéssemos tido muitos excessos nas nossas vidas não estaríamos agora a dar o valor que damos a certas coisas.
    E sim, eu acredito que há mesmo um Deus lá em cima que olha por nós. Sou católica, mas em certa altura da minha vida esqueci que era católica. Desde há 4 anos que estou a "descobrir e a tentar ser católica de verdade". Agora cheguei à conclusão que era uma ignorante, estou empenhada em aprender um pouco todos os dias. Estou a gostar bastante deste aprendizado e acredito que um dia é ao céu que vamos chegar, porque aqui na terra a vida é feita de altos e baixos. Sou muito grata pelo que tenho, (muitos podem achar que tenho pouco, mas eu considero que já é muito comparando com outros).
    Os abracinhos são muito bons, enchem-nos a alma.
    Desejo-te tudo de bom para ti e para a tua linda família.
    Lucia

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    1. Desculpa a minha escrita, nunca fui muito boa a escrever (talvez seja por isso que comente pouco), embora ler seja o meu passatempo preferido.
      Dou-me melhor com os números..
      Sei que também gostas de ler e tal como tu também os meus livros foram comprados com algum sacrifício. (ainda me ri com o que escreves-te acerca dos teus empréstimos de livros e da notinha salva... eheheheh)
      Li muitos livros da biblioteca e muitos emprestados.
      Boas leituras,
      Lucia

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    2. Olá Lucia,
      Que bom receber estas palavras hoje. Logo hoje. Ver que tenho assim quem me leia, e quem me acolha.

      Todos os dias vejo os números de leitura do blog, mas nunca sei quem são, agora sei que tenho uma "Lúcia" desse lado :), OBRIGADA!

      "Deus tem-nos dado o essencial" diz a Lúcia, e que verdade, embora por vezes não veja a justiça, ele sabe no que trabalha e o que faz. Eu acredito.

      Um beijinho para si e obrigada pela partilha, escreva sempre, escreve muito bem, e se é de números, é cá das minhas ehehehe

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  3. Para ficar um pouco mais completo:

    Dores, todos nós temos e vivemos com elas o melhor que sabemos, cada um à sua maneira.

    Eu tenho-as desde criança, até aos dias de hoje, e acho que a minha essência também me permite sentir mais, por isso mesmo, por a ter. Por ser simples. Por ser boa.

    A vida foi injusta comigo em muitas coisas e as mais pesadas eu vivi grávida. Bem dizem e é verdade, a gravidez adensa a emoção.

    Sobre tomar banho de água fria e beber apenas água antes de ir para as aulas na faculdade: Aconteceu mesmo muita vez, mas se eu podia pedir dinheiro aos meus pais e não passar por isso? Podia é claro, eles não me iam negar 30€ para uma bilha ou 5€ para eu comer. Isso nunca, jamais. E porque não o fazia? Havia mais gente em casa, os pais e dois irmãos, havia mais contas além das minhas e eu já sabia o quanto era esticar o orçamento para incluir os meus estudos. Faz diferença crescer a conhecer o dinheiro, as necessidades e as prioridades. E faz muita diferença nos fazermos crescer a nós próprios com estas imposições, com estes desafios e limites.

    Afastei-me de Deus quando o meu pai morreu, foi a dor mais profunda que já senti. Ainda hoje tenho os gritos de dor quando foi entubado para se alimentar. Só eu estava naquele corredor. Só eu ouvi. Só eu reconheci que era o meu pai pelo som do sofrimento. Não perdoei Deus, e não me perdoei a mim. Foi um fim de luta muito difícil. Duro, duro até me fazer chorar só de vos escrever isto, 10 anos depois.

    Voltei a entrar numa igreja 4 anos depois, chorei compulsivamente por meia hora. Era 2018, 4 anos após a sua morte, foi quando fiz o meu luto. 4 anos depois.

    Daí em diante a vida tem trazido outros desafios. Outras desilusões. Outras dores... Outros enganos.

    E quando me pergunto: "Merecia Pai?" a resposta é sempre a mesma "estou a amadurecer", mas tem dias que nos cansamos de aprender, nos cansamos de ver que a vida faz crescer mais uns que outros.

    Ontem enquanto brincava com o meu filho milhentas coisas me passaram na cabeça, eu um dia quero que ele saiba as coisas que vivi, mas não quero que se limite a beber água antes de ter aulas de cálculo ou matemática aplicada. Não faz bem a ninguém. E eu, por pensar e ter sempre os outros na frente, fiz-me mal a mim. Este é só um exemplo, teria tantos outros... ao longo destes 32 anos.

    Muita coisa haveria a escrever-vos...

    A sensibilidade da lua, quem sabe, nos faça ficar mais sensível conforme as fases. Estou nuns dias mais introspectivos e isso fez-me partilhar esta pequena abertura da minha vida particular convosco.

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  4. És uma grande Mulher e só isso importa.

    Realmente imagino o que não deve ter custado, ver os nossos sofrer. Aliás, sei bem. Senti-o na pele com o meu avô e a impotência de nada poder fazer!

    Mas olha, é como dizes, faz-nos crescer. E já se encontram poucas pessoas como nós, que eu Às vezes também me acho uma E.T completa, porque parece que ninguém partilha dos mesmos valores, cuidados, etc.

    Beijocas

    Cláudia - eutambemtenhoumblog

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  5. Olá, nao costumo interagir, sou uma leitora (assídua) em anonimo, mas desta vez nao consigo ficar indiferente.
    Revi-me em muitas coisas nastuas palavras...és uma grande mulher!
    Um beijinho no coração,
    Cláudia

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    1. A teia dos 20 mais x20 de abril de 2024 às 15:28

      Olá Cláudia, boa tarde

      Que bom! Que bom é saber que me lê e que gosta dos meus desabafos por aqui, de uma vida muito comum.
      Fico feliz, obrigada.

      Lamento que também tenha mágoas, espero que como comigo, também consigo, vá ficando tudo bem.

      Um beijinho e um bom fim de semana

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