O modo de sentir.
Todos, e cada um temos o nosso.
Tenho 30 anos, sempre fui uma criança/adolescente no tempo certo, fui vivendo o necessário na idade própria, segundo o que foi a formação do meu caráter e personalidade.
Cresci envolta numa educação que me permitiu ao longo dos anos ter ideais muito bem definidos e ser muito objetiva. Não tem correlação a teimosia, eu não olho para o céu e quero que ele seja á força cor-de-rosa, a minha objetividade tem a ver com formação de vida, de objectivos, de senso para projeção de caráter.
Aos 22 anos recebi, no dia da mãe, domingo, 9:00h, uma chamada do hospital a informar que o meu pai tinha falecido naquela mesma manhã.
A maior dor da minha vida. A perda de um padrão em casa de quem sinto falta da voz, do cheiro e do colo. Não se explica.
De cada vez que algo de menos bom me acontece eu volto aos corredores daquele hospital, ia lá muitas vezes, sempre que podia na verdade. Nos últimos tempos ia deixar a minha mãe pela manhã e ia buscá-la ao final do dia (não ficava porque tinha de trabalhar), o hospital ficava a 80km de minha casa. Sim... Eu repetiria este caminho todos os dias, se ainda me fosse possível. Continuando... Quando algo de menos bom me acontece eu retrocedo aquele corredor. No dia que entubaram o meu pai para o alimentar por sonda visto que já não o fazia autonomamente nem respondia se tentássemos dar, eu estava no corredor, a minha restante família estava na sala de espera. Quando percebi que o som dos gritos que ouvia vinham do quarto dele aproximei-me da sala de espera e fechei a porta, não queria que eles ouvissem e soubessem que era ele em sofrimento. Estava a minha sobrinha bebé também. A minha mãe notou. Falámos disso mais tarde.
É nesse som, do grito, que me foco. Para saber que a vida é isto, tão pouco, que a dor que se sente por desilusão é tão pequena comparada á dor que se vive por uma perda tão grande como a que nos faz perder pessoas que amamos e temos no coração. Choro sempre que me lembro daquela tarde. Dos gritos. Do cansaço que ele tinha depois.
Acho sempre... Que viver as salas de hospital fazia bem a tanta gente... Para crescimento, para se dar valor ao que realmente tem valor e prosperidade, no entanto se eu pudesse fazer alguma coisa no mundo seria não sujeitar ninguém a passar por situações sequer semelhantes.
Faleceu na primavera. Quando o outono anterior começou ele disse-me "não passo desta época, no outono caem as folhas e morrem os mais frágeis", viveu o outono inteiro, vence-o, desde esse ano é a minha estação favorita. O meu pai viu-o como a última estação completa.
O meu filho será de outono, e a vida é isto, uma continuidade, será neto de quem venceu a estação e continuou, e será continuação desta história.
Tudo isto para?
...
Escrever apenas.
Tenho muita pena, realmente, por entender a cada dia que passa que os valores das nossas gerações não são os mesmos. A seguridade, o caráter, a empatia, a estima de cuidado e entrega ao outro não é o mesmo... A vida, portanto.
O meu GRITO de revolta. Ninguém tem 30 anos, lol
ResponderEliminar.
Bom fim de semana … cumprimentos
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Que texto forte.
ResponderEliminarJá passei por vários corredores de hospital e realmente deixam-nos impotentes, por ver ali os nossos e nada poder fazer.
Fizeste-me chorar. Já que tenho o meu avô no hospital, não no mesmo estado, mas está lá.
E o estado de espírito fica lá com ele.
Mas é como dizes, os valores estão mesmo trocados e olha, cada vez mais me sinto uma E.T. Porque não me consigo identificar com a leviandade que se vive nos dias de hoje mas à qual sou obrigada a adaptar-me e quase comportar-me como os tais.
Beijocas e força <3
Antes de mais Parabéns pela gravidez.
ResponderEliminarRealmente os hospitais levam-nos os nossos entes queridos e compreendo tão bem a falta que um pai nos faz.